Esta seção do website contém listadas as histórias individuais estudadas, discutidas e representadas pelos artistas durante as diferentes edições do “Fragmentos da Memória: Representações Artísticas de Vidas na Diáspora”. O trabalho artístico, referências bibliográficas e amostras de documentos históricos são aqui listados e apresentados para cada trajetória individual, juntamente com o nome do acadêmico selecionando, realizando pesquisas sobre as biografias.
Nadir Ağa
Nadir Ağa nasceu na década de 1870 na terra dos Galla, região de Oroma (atual Etiópia). Foi raptado na infância e levado como escravo pelas regiões de lagos salgados da Abissínia. Após ser embarcado através de Djibouti (achei essa frase confusa, pode ser só impressão), foi castrado e levado à Meca para ser vendido como um eunuco. Passou três anos servindo a Seyyare Hanim, uma rica mulher otomana, aprendendo árabe e recebendo educação religiosa. Depois, foi enviado ao norte e vendido como servo ao sultão otomano Abdülhamid II. Começou a servir no Palácio Yıldız em Istambul em 1889. Sendo um homem jovem e inteligente, com talento para a diplomacia e a etiqueta política internacional, conquistou o afeto do sultão e tornou-se um de seus musâhib (acompanhantes) favoritos. Quando o movimento dos Jovens Turcos derrubou o governo otomano e exilou o sultão, encerrando seu reinado, Nadir Ağa, assim como outros escravos, foi obrigado a deixar o Palácio em 1909. Sua inesperada demissão do Palácio apresentou-lhe as incertezas sobre a “liberdade”; no entanto, Ağa permaneceu em Istambul, onde abriu uma leiteria após comprar quarenta vacas da Crimeia. Ele faleceu em 1957, no fim dos seus 80 anos, em Istambul.
Imagens Históricas
Bibliografia
Özdemir, Özgül. “Nadir Agha: A Black Eunuch from Abyssinia in the Ottoman Palace
(c.1870-1957)” in Davies, C. B.; Diouf, M.; Lovejoy, Paul E.; Santos, V. S., eds.
UNESCO General History of Africa, vol. 9, Part II. Brasília; Paris: UNESCO,
2020.
Hasan, Ferit Ertuğ. “Musahib-i sani Hazret-i Şehryari Nadir Ağa’nın hatıratı-II.
Toplumsal Tarih, 50, (1998) 6-14.
Toledano, Ehud R. The imperial eunuchs of Istanbul: From Africa to heart of Islam.
Middle Eastern Studies, 20:3 (1984), 379-390.
Fontes primárias
Çapanoğlu, M. S.. “Abdülhamid’in en yakın adamı Nadir Ağa eski efendisi için neler
söylüyor,” Yedigün, 83 (1934).
“Nadir Ağa,” Hayat, 60 (1957).
Iconografia
Yedigün 83, 10 October 1934.
“Nadir Aga,” Hayat 60, 29 November 1957.
Sultão Abdulhamid II com convidados num jantar de gala no Palácio Yildiz, Istanbul. Gravura em retícula por C. Hentschel, 1895, depois J. Nash. Wellcome Collection. CC BY.
Mahommah Gardo Baquaqua
Baquaqua nasceu em Djougou, hoje localizada no norte do Benim, por volta de 1824. Sua família era proeminente na comunidade muçulmana Hauçá, envolvida no comércio de noz-de-cola entre Achante (atual Gana) e o califado de Sokoto (atual Nigéria). Enquanto como um oficial real, foi enganado e escravizado por ilicitudes às quais posteriormente confessaria. Ele foi rapidamente despachado em direção ao sul, através do Daomé, sendo enviado para o Brasil em 1845. A princípio comprado por um padeiro em Pernambuco, acabou por tornar-se propriedade de um capitão de navio que cometeu o erro de levá-lo a Nova York em um carregamento de café. Como a escravidão havia sido abolida em Nova York, Baquaqua conseguiu escapar, deslocando-se primeiramente para Boston e em seguida para o Haiti. Sob proteção dos Batistas Livres, regressou aos Estados Unidos em 1850 para estudar no New York Central College. Escreveu sua autobiografia, que foi finalizada no Canadá, como um panfleto abolicionista através do qual esperava conseguir regressar à África como missionário. Queria chegar a Katsina, cidade natal da sua mãe, a quem expressava profundos sentimentos. Não se sabe se ele teve sucesso ou não, embora ele provavelmente tenha chegado à Libéria, em 1863.
Imagens Históricas
Bibliografia
Véras, Bruno R. “The
Slavery and Freedom Narrative of Mahommah Gardo Baquaqua in the Nineteenth-Century
Atlantic World” in Davies, C. B.; Diouf, M.; Lovejoy, Paul E.; Santos, V. S., eds.
UNESCO General History of Africa, vol. 9, Part II. Brasília; Paris: UNESCO,
2020.
Law, Robin; Lovejoy, Paul E., eds. The Biography of Mahommah Gardo Baquaqua - His
Passage from Slavery to freedom in Africa and America. Revised and expanded second
edition. Princeton: Markus Wiener Publishers, 2007.
Krueger, Robert, ed. Biografia e narrativa do ex-excravo afro-brasileiro. Brasília:
Editora UNB, 1997.
Véras, Bruno R. “Memórias Diaspóricas de Djougou para as Américas,” Revista
Africa(s), 1:1 (2014), 227-237.
Fontes primárias
Baquaqua, M. G.; Moore, Samuel, ed. An Interesting Narrative. Biography of Mahommah
G. Baquaqua, a Native of Zoogoo, in the Interior of Africa (A Convert to
Christianity). With a Description of that Part of the World. Detroit: George Pomeroy
and Company, 1854.
Kezia King to her sisters in Hillsdale, McGrawville, N.Y., 23 October 1854.
The Liberator, August 20 (1847).
Iconografia
Capa do livro Mahommah Gardo Baquaqua, An Interesting Narrative. Biography of Mahommah G. Baquaqua, A Native of Zoogoo, in the Interior of Africa (A Convert to Christianity,) with a Description of That Part of the World; including the Manners and Customs of the Inhabitants (Detroit, 1854) mostrando a data de registro dos direitos autorais, 21 de Agosto de 1854. (Burton Historical Collection, Detroit Public Library).
Rev. William L. Judd, com Baquaqua do frontispício do livro, A.T. Foss e Edward Mathews, Facts for Baptist Churches (Utica, 1850).
Cartão com slide tridimensional “Old N.Y. Central College – showing pupils 1848,” McGraw Historical Society.
Gracia Maria da Conceição Magalhães
O lugar de origem de Gracia Maria Magalhães é conhecido apenas como Guiné, que designava virtualmente toda a costa atlântica da África, mas é provável que tenha nascido em Angola, já que foi levada ao Rio de Janeiro. Enquanto escravizada, era conhecida como Gracia Guiné, mas posteriormente passou a ser conhecida pelo mesmo sobrenome do seu proprietário. Após conquistar sua liberdade, tornou-se membro da irmandade da Nossa Senhora do Rosário, e pagou todas as taxas para os sacramentos necessários que permitiram seu enterro em 1789. Ela deixou um detalhado relato da sua vida como parte de seu testamento. Quando conseguiu a liberdade, comprou terras na freguesia de Iguaçu, onde construiu um moinho para produzir farinha de mandioca. Gracia Maria não apenas libertou o homem que se tornaria seu marido como ainda comprou dois escravos angolanos. Conseguiu proteger sua terra e “propriedade humana” de onças e bandidos carregando sempre uma arma sob seu controle. Com o corpo quebrado por anos de trabalho escravo e violência sexual, ela não foi capaz de gerar filhos. Após a sua morte, seus escravos foram libertados e posteriormente também enterrados no cemitério de Nossa Senhora do Rosário.
Imagens Históricas
Bibliografia
Bezerra, Nielson R. “Biografias de africanos na diáspora: Individual trajectories
and collective identities” in Davies, C. B.; Diouf, M.; Lovejoy, Paul E.; Santos, V.
S., eds. UNESCO General History of Africa, vol. 9, Part II. Brasília; Paris: UNESCO,
2020.
Bezerra, Nielson R. “Escravidão, Biografias e a Memória dos Excluídos,” Revista
Espaço Acadêmico, 126 (2011), 136-44.
Lovejoy, Paul. “Biography as Source Material: Towards a Biographical Archive of
Enslaved Africans,” in Law, Robin ed. Source Material for Studying the Slave Trade
and the African Diaspora. Stirling: Centre of Commonwealth Studies, University of
Stirling, 1997. 119-140.
Mattos, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste
escravista - Brasil século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995.
Fontes primárias
Arquivo da Cúria Diocesana de Nova Iguaçu. Livro de Assentos de Óbitos e Testamentos
de Livres – Freguesia de Nossa Senhora da Piedade de Iguaçu (1777-1798)
Arquivo da Cúria Diocesana de Nova Iguaçu. Testamento de Manoel Gomes pardo forro
(1795)
Iconografia
Fotografia por Alberto Henschel - c.1870. Leibniz-Institut Für Länderkunde.
Jean-Baptiste Debret: “voyage pittoresque et historique au Brésil ou, Séjour d'un Artiste Français au Brésil, depuis 1816 jusqu'en 1831 inclusivement, époques de l'Avènement et de l'Abdication de S. M. D. Pedro 1er, fondateur de l'Empire brésilien. Dédié à l'Académie des Beaux-Arts de l'Institut de France”, por J. B. Debret (Paris, 1835)
Catherine M. Zimmermann
Catherine, originalmente chamada Ngeve, nasceu em Angola, provavelmente em Luanda, no início da década de 1820. Ela foi sequestrada com suas duas irmãs no início de 1833 em uma praia e levada a bordo do navio negreiro “Heroína” com destino a Cuba. No entanto, o navio acabou sendo destruído por recifes na costa da Jamaica. Ela e suas irmãs foram resgatadas e levadas à residência do governador Earl of Mulgrave em Spanish Town. Em 1834, quando Mulgrave e sua esposa deixaram a ilha, Catherine foi enviada à Female Refuge School da Moravian Mission (Missão dos Irmãos Morávios), em Fairfield. Posteriormente frequentou uma escola em Kingston e tornou-se professora-principal de uma outra escola em Manchester. Em 1842, uma delegação suíça chegou à Jamaica buscando recrutas para uma missão planejada na Costa do Ouro, atual Gana. Nessa época foi planejado o casamento de Catherine com George Peter Thompson, que havia sido adotado na infância pela curta Missão da Basileia em Cape Mount (Libéria), e posteriormente educado na Suíça. O casal abriu uma escola para garotos e garotas onde hoje é Accra, mas Thompson foi demitido e o casamento acabou em divórcio. Em 1851, Catherine casou-se com Johannes Zimmermann, que havia chegado recentemente da Alemanha para comandar a missão. Após o falecimento de Zimmermann em 1876, Catherine continuou a lecionar em escolas até a sua morte em 1891.
Imagens Históricas
Bibliografia
Warner-Lewis, Maureen. “Catherine Mulgrave-Zimmermann” in Davies, C. B.; Diouf, M.;
Lovejoy, Paul E.; Santos, V. S., eds. UNESCO General History of Africa, vol. 9, Part
II. Brasília; Paris: UNESCO, 2020.
Haenger, Peter. “Ein Missionar fällt aus dem Rahmen,” Auftrag 1 (1995),
12-13.
Lovejoy, Paul E. “Les origines de Catherine M. Zimmermann: considérations
méthodologiques,” Cahiers des Anneaux de la Mémoire 14 (2011), 247-63.
Warner-Lewis, Maureen. “Catherine Mulgrave’s Unusual Transatlantic Odyssey,” Jamaica
Journal, 31:1-2 (2008), 32-43.
Fontes primárias
George Thompson to Thomas Buxton, 25 January 1843 in Papers of Sir Thomas Fowell
Buxton, Reel #9 at Rhodes House Library, Oxford.
Pfeiffer, Fairfield H. G. “Report of 5 February 1846,” Periodical Accounts Relating
to the Missions of the Church of the United Brethren Established among the Heathen
18, 436.
Iconografia
Família Zimmerman-Mulgrave, estúdio desconhecido, 1872-1873 - Archiv Basler Mission QS-30.002.0237.02.
Zimmermann, Johannes und [Ehefrau] Zimmermann-Mulgrave, Catherina, 1872-73 - Archiv Basler Mission QS-30.002.0237.03
B.F.K.Rives Nr.75. Basel Mission High Street Accra Factor, - Archiv Basler Mission QU-30.003.0182
Osifekunde
Osifekunde era oriundo de uma família aristocrática iorubá de Makun, em Ijebu (atual Nigéria). Foi um comerciante bem-sucedido que operava ao longo da lagoa entre Ijebu e Lagos, até ser capturado por piratas Ijo e levado para o Delta do Níger, onde foi vendido para um navio negreiro brasileiro. Após chegar ao Rio de Janeiro em 1820, foi vendido para um senhor de engenho francês em Pernambuco. Dezessete anos depois, em 1837, seu proprietário o levou à Paris, onde ele chamou a atenção de Marie-Armand Pascal de Castera-Macaya d’Avezac, geógrafo, arquivista, Ministro da Marinha e vice-presidente da Sociedade Etnológica que conduzia pesquisas sobre a África Ocidental. Providências foram tomadas para que Osifekunde pudesse ir à Serra Leoa, mas ele decidiu, mesmo correndo o risco de ser re-escravizado, retornou ao Brasil, onde tinha um filho. Era um homem negro cosmopolita, capaz de falar várias línguas. Em 1842 uma gangue o atacou, raspou sua cabeça e o espancou até a morte.
Imagens Históricas
Bibliografia
Ojo, Olatunji. Osifekunde of Ijebu (Yorubaland)” in Davies, C. B.; Diouf, M.;
Lovejoy, Paul E.; Santos, V. S., eds. UNESCO General History of Africa, vol. 9,
Part II. Brasília; Paris: UNESCO, 2020.
Lloyd, P. C. “Osifekunde of Ijebu.” in Philip D. Curtin, ed., Africa Remembered:
Narratives by West Africans from the Era of the Slave Trade. Madison, WI:
University of Wisconsin Press, 1967, 217-288.
Peabody, Sue. “There Are No Slaves in France”: The Political Culture of Race and
Slavery in the Ancien Régime. New York: Oxford University Press, 1996.
Santana, A. R. “A Extraordinária Odisseia do Comerciante Ijebu que foi Escravo
no Brasil e Homem Livre na França (1820-1842),” Afro-Ásia, 57 (2018), 9-53.
Fontes primárias
Bibliotheque Nationale du France. Catalogue de l'histoire de France, Tome 8.
Paris: Firmin Didot Freres, 1863.
D’Avezac de Castera Macaya, Marie-Armand-Pascal. Notice sur le pays et le Peuple
des Yébous en Afrique. Paris: Librairie Orientale de Mme Ve Dondey-Dupré,
1845.
D’Avezac de Castera Macaya, Marie-Armand-Pascal. Esquisse générale de l'Afrique
et Afrique ancienne. Paris: Firmin Didot Frere, 1844.
Iconografia
Osifekunde, máscara de reprodução fisionômica feita em vida (Paris, ca.1838) - D'Avezac, "Notice sur le pays et le peuple des Yébou," Mémoires de la Société Ethnologique, 2 (1845)
D'Avezac, "Notice sur le pays et le peuple des Yébou," Mémoires de la Société Ethnologique, 2 (Paris, 1845).
Awujale (King) of Jebu Ode, Colonial Office photographic collection - The National Archives CO 1069/80
Marie Armand Pascal d'Avezac de Castera Macaya] / Ch. Reutlinger, 1875. Bibliothèque nationale de France, département Société de Géographie, SG PORTRAIT-1432